A pequena cidade de Ipameri, em
Goiás, anda recebendo visitantes ilustres. Ex-ministros da agricultura,
especialistas em meio ambiente, empresários, investidores e até vice-presidente
de banco, vira e mexe, aparecem por lá. Mas a cidade não tem águas quentes,
como a vizinha Caldas Novas, nem é berço de dupla sertaneja, como Goiânia,
distante 190 quilômetros. O que chama a atenção de gente tão importante em
Ipameri é a Fazenda Santa Brígida, outrora uma propriedade repleta de pastos degradados,
baixa produtividade e altos custos – hoje, uma fazenda referência em manejo
sustentável e que produz com eficiência nos 12meses do ano, inclusive no auge
da seca no Cerrado. “Isso aqui era só cupim”, resume a proprietária, a dentista
Marize Porto Costa, responsável pela mudança e que até pouco tempo atrás,
confessa, nada sabia sobre agropecuária. “Era como um bicho de sete cabeças”,
lembra. Marize assumiu o negócio em 2002, depois de ficar viúva. Antes disso,
ia muito pouco à Santa Brígida, uma fazenda de pecuária de corte com 960 hectares.
“Os custos eram altíssimos e a produtividade do rebanho muito baixa. Quase me
descabelei pensando em como iria pagar as contas, e tudo piorou quando vi como
custava caro recuperar pastagens pelo sistema tradicional”, diz. As incertezas
administrativas da doutora Marize na época deram o que falar em Ipameri. Até
uma bolsa de apostas foi firmada entre os produtores da redondeza – a maioria
homens -, que não botavam fé na nova fazendeira. Os desafios giravam em torno
de “ou ela vende ou ela quebra”, e nunca “ela vai conseguir”.
A jogada de mestre de Marize foi
procurar a Embrapa, em Goiânia, em 2005. Com a cara e a coragem, bateu na porta
de Homero Aidar, chefe da Embrapa Arroz e Feijão, falecido no ano passado, e a
ele contou seu dilema. “Ele me deu um livro sobre integração lavoura-pecuária
(ILP), e fui me interessando pelo tema, embora sem conhecer nada sobre
agricultura. Achei a teoria fantástica e percebi que havia sim uma saída mais
econômica”, conta. Também foi Aidar quem apresentou Marize ao pesquisador João
Kluthcouski, o João K, e aí tudo começou a mudar na Santa Brígida. “O João K
disse que faríamos tudo ao contrário do que a maioria dos pecuaristas faz. Então,
começamos a construir fertilidade nessas terras.” Marize acreditou que poderia
dar certo e fazia tudo o que João K mandava: revirou o pasto para destruir os
cupinzeiros usando tratores velhos – e, como ela mesma diz, que caíam aos
pedaços; depois, corrigiu a acidez dos solos para plantar soja no pasto.
Percebeu, então, que as sucatas sobre rodas não dariam conta do trabalho e, de
novo, foi bater na porta de alguém para pedir ajuda. Desta vez, foi na Tatu
Marchesan e na John Deere. “Eu já tinha um não. No máximo, sairia de lá com um
sim.” E foi o que aconteceu. Depois de contar aos diretores das revendas o que
pretendia fazer na fazenda, recebeu apoio, em máquinas e implementos com
desconto, para avançar com o projeto. Dos fazendeiros da região ela continuava
recebendo olhares duvidosos.
Em um ano, com a venda da
colheita de soja, Marize pagou parte do investimento. Na mesma área, João K
plantou sorgo. Ele chama esse processo de sucessão. Quando o sorgo cresceu, o
gado voltou para o pasto, engordou e saiu de novo. “Foi aí que entramos com o consórcio
de braquiária e milho. Enquanto o milho crescia, a braquiária promovia a vascularização
do solo, melhorando suas condições, pois suas raízes são condutoras de
nutrientes”, explica João K. “Após a colheita de milho, que gerou liquidez, o
gado retornou para o pasto, no inverno, e engordou com um custo baixo, em torno
de R$ 1,50 por hectare por dia, enquanto no confinamento custaria R$ 6.”
Roberto Freitas é o engenheiro agrônomo que acompanha todo o processo da Santa
Brígida no dia a dia. Ele explica que a integração é uma evolução do Sistema de
Plantio Direto (SPD), que é quando a palha permanece cobrindo o solo e outra
espécie é semeada. “É um processo simples e que melhora a qualidade do solo”,
diz. Segundo o agrônomo, o SPD e a ILP promovem benefícios vitais na terra,
como a ciclagem de nutrientes, que ocorre por contada grande quantidade de
matéria orgânica acumulada, a formação de uma barreira natural para controlar
plantas daninhas e doenças e a erosão natural, provocada por chuva e vento.
“Antes, plantávamos em terras limpas. Hoje, percebemos que, quanto mais coberto
o solo estiver com a palha, mais qualidade ele vai ter e menos vamos gastar.”
Na Santa Brígida, o uso de herbicidas é ínfimo, já que a palha que fica no solo
combate naturalmente uma série de doenças, como o mofo branco da soja. Todas as
embalagens de defensivos usadas na fazenda são descartadas seguindo as regras do
Instituto Nacional de Processamento de Embalagens Vazias, o Inpev. “Tudo o que
entra volta para seu devido lugar”, diz Marize. Em 2011, Goiás devolveu 2,6 mil
toneladas de embalagens deforma correta.
João K explica que a ILP pode
ser aplicada em qualquer região do Brasil, que tem em torno de 100 milhões de hectares
de pastos degradados. “A integração não escolhe solo, clima nem tamanho de
área”, diz. Segundo ele, as opções de plantios consorciados são adaptadas conforme
a região e o grau de degradação do solo. “Pelo menos duas espécies se adaptam
em cada região. É possível recuperar com soja, que exige um investimento maior,
mas tem produtividade inicial alta, de 50 sacas por hectare, e garante
liquidez. Mas há opções com arroz e feijão.” Segundo o pesquisador, existem no
Brasil cerca de 3 milhões de hectares com ILP. “Ainda é pouco, mas, se
inseríssemos a integração em pelo menos metade da área total de pastos
degradados, o país conseguiria triplicar a produção de grãos sem avançar sobre
novas áreas agrícolas”, afirma.
O primeiro ciclo de ILP na Santa
Brígida está quase terminando e 600 hectares estão recuperados, 50% cultivados
com soja, 50%com milho e braquiária. Na safra 2010/2011, foram colhidas 35 mil
sacas de milho e 20 mil de soja. O hectare de pastagem passou a render em torno
de R$ 500, enquanto que antes não passava de R$ 100. A bolsa de apostas em
Ipameri perdeu força. Muitos fazendeiros tiraram o time de campo ao ver que a
doutora estava pagando as contas em dia, produzindo grãos no verão e tinha
pasto no inverno, coisa rara no Cerrado – e, pior, o que eles não tinham. Mas
outra ideia de João K deixaria os vizinhos encafifados. Marize começaria a
fazer um investimento delongo prazo: plantar floresta. “Aí que me chamaram de
maluca mesmo. Eucalipto aqui era apenas para barrar vento”, lembra.
Por toda a fazenda existem
fileiras paralelas de eucaliptos. Cada dupla de alas é separada por uma área de
24 metros na qual, no verão, tem milho e braquiária e, no inverno, pasto verde.
“Em setembro, quando a seca atinge o auge, a Santa Brígida está verde, o gado gordo,
se refestelando na sombra da árvore. Ele engorda em média 1,3 quilo por dia”,
explica Anábio Ribeiro, gerente da fazenda. Segundo ele, com a introdução da
ILPF, a propriedade passou a produzir o ano todo. “Temos nove colheitas na mesma
área, em um ciclo de oito anos: colhemos grãos duas a três vezes, temos de
cinco a seis safras bovinas e uma rentável colheita de madeira no final”,
explica. Marize ainda não colheu a madeira, e isso vai acontecer em2012. Se ela
vender a safra como lenha, a forma menos valorizada do mercado, já terá lucro
de R$ 1 mil por hectare. “Todo o ciclo tem liquidez garantida”, afirma. João K
diz que o eucalipto foi escolhido pela precocidade. “Em seis anos, você colhe a
madeira, mas é possível obter bons resultados com nim-indiano, mogno-africano,
pinus, teca, entre outras. A diferença é o tempo de maturação.” A única
restrição para as árvores é que o gado não pode pastar na área plantada no
primeiro ano. “Elas estão frágeis e o gado pode pisotear ou quebrar os
troncos”, diz João K.
A Santa Brígida tornou-se
vitrine tecnológica e sustentável da Embrapa, e a doutora Marize passou a
entender muito sobre agronegócio, embora afirme que é apenas uma aprendiz. Ela
já tem outras três propriedades rurais na região e foi a primeira produtora
rural a obter crédito do Programa de Agricultura de Baixo Carbono, do governo
federal. O fato levou à Ipameri o vice-presidente do Banco do Brasil, Osmar
Dias, e o ex-ministro da Agricultura Alysson Paolinelli, que seguiu, passo a
passo, o trabalho dela para também tentar um empréstimo. E novamente o burburinho
em torno da fazendeira se fez presente na cidade. Mas, desta vez, sem apostas.
Fonte: Globo Rural
Fonte: Globo Rural
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